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lundi 2 décembre 2013

VENDAVAL




O vento do Norte, tão fundo e tão frio,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que meu coração!

Indómita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que  há em mim!

Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
E o visto o que vê.

Ah, magoa de ter consciência na vida!
Tu, vento do Norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles- teu pulso divida
Minh’alma do mundo!

Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar
Fosse pr’onde fosse pr’a longe da ideia
De eu ter que pensar!

Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver
Porque é que não entras no meu pensamento
Para ele morrer?

Horror de ser sempre com a vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, é vento; do chão da existência,
De ser um lugar!

E, pela  alta noite que fazes mais’scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.

E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já paria desfeitos dos ares,
O meu coração!

Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, na noite sem termo,
Do abismo e do nada!

Fernando Pessoa.

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