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mardi 23 juillet 2013

OS LUZIADAS (CANTO X).


Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Düa austera, apagada e vil tristeza.

E não sei por que influxo de Destino
Não tem um ledo orgulho e geral gosto,
Que os ânimos levanta de contino
A ter pera trabalhos ledo o rosto.
Por isso vós, ó Rei, que por divino
Conselho estais no régio sólio posto,
Olhai que sois (e vede as outras gentes)
Senhor só de vassalos excelentes.

Olhai que ledos vão, por várias vias,
Quais rompentes liões e bravos touros,
Dando os corpos a fomes e vigias,
A ferro, a fogo, a setas e pelouros,
A quentes regiões, a plagas frias,
A golpes de Idolátras e de Mouros,
A perigos incógnitos do mundo,
A naufrágios, a pexes, ao profundo.

Por vos servir, a tudo aparelhados ;
De vos tao longe sempre obedientes ;
A quasiquer vossos asperos mandados
Sem resposta, protons e contentes.
So com saber que sao de vos olhados,
Demonios infernais, negros e ardentes,
Cometerao convosco, e nao duvido
Que vencidos vos façam nao vencidos.

Favorecei-os logo e alegrai-os
Com a presença e leda humanidade;
De rigorosas leis desalivai-os,
Que assi se abre o caminho à santidade.
Os mais exprimentados levantai-os,
Se, com a experiência, têm bondade
Pera vosso conselho, pois que sabem
O como, o quando, e onde as cousas cabem.
                                                             
Todos favorecei em seus ofícios,
Segundo têm das vidas o talento;
Tenham Religiosos exercícios
De rogarem, por vosso regimento,
Com jejuns, disciplina, pelos vícios
Comuns; toda ambição terão por vento,
Que o bom Religioso verdadeiro
Glória vã não pretende nem dinheiro.

Os Cavaleiros tende em muita estima,
Pois com seu sangue intrépido e fervente
Estendem não sòmente a Lei de cima,
Mas inda vosso Império preminente.
Pois aqueles que a tão remoto clima
Vos vão servir, com passo diligente,
Dous inimigos vencem: uns, os vivos,
E (o que é mais) os trabalhos excessivos.

Fazei, Senhor, que nunca os admirados
Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,
Possam dizer que são pera mandados,
Mais que pera mandar, os Portugueses.
Tomai conselho só d’exprimentados
Que viram largos anos, largos meses,
Que, posto que em cientes muito cabe.
Mais em particular o experto sabe.

De Formião, filósofo élégante
Vereis como Anibal escarnecia,
Quando das artes bélicas, diante
Dele, com larga voz tratava e lia.
A disciplina militar prestante
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.

154 - Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,
De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado.
Tem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente.

155 - Pera servir-vos, braço às armas feito,
Pera cantar-vos, mente às Musas dada;
Só me falece ser a vós aceito,
De quem virtude deve ser prezada.
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito
Dina empresa tomar de ser cantada,
Como a presaga mente vaticina
Olhando a vossa inclinação divina,

Ou fazendo que, mais que a de Medusa,   
A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante,
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter enveja.

Luis de Camões.





dimanche 21 juillet 2013

O DESTINO DA ARVORE.




Quando era pequenina
Nem podia suportar
O peso das borboletas
Que em mim queriam poisar...

Quando era pequenina...
Qualquer menino de colo
Me poderia arrancar.

Fui crescendo a pouco e pouco...
E o tempo sempre a girar,
Fez de mim este gigante
Tamanho, que faz pasmar!

Tão grossa, rija, aprumada,
Já pouco posso durar...

Já vejo alem o machado
Com que me vão derrubar.
Já vejo os dentes da serra
Com que me querem serrar.

o tempo sempre a girar...
E depois? O que serei?
Um navio para o mar?
Um simples carro de bois
Para o trigo transportar?

Um grande portão de quinta?
Uma trave de lagar?
Talvez soalhos de casa
Onde os noivos vão noivar...

Talvez arca de moleiro
Para o grão arrecadar...
Talvez caixão.. talvez berço
Para um menino embalar...
Fez de mim este gigante...
tamanho que faz pasmar.

Serei talvez isso tudo...
E depois? Em que hei-de dar?
Gira o tempo gira a vida
E tudo sempre a girar

Quem sabe lá os destinos
Que deus tem para nos dar.

Maria Lúcia.


mercredi 17 juillet 2013

VOZES DE ANIMAIS.




Palram pega e papagaio
E cacareja a galinha
Os ternos pombos arrulham
Geme a rola inocentinha.

Muge a vaca, berra o touro,
Grasna a rã, ruge o leão,
O gato mia, uiva o lobo,
Também uiva e ladra o cão.

Relincha o nobre cavalo,
O elefantes dão urros,
A tímida ovelha bala
Zurrar é próprio dos burros.

Regouga a sagaz raposa,
Brutinho muito matreiro
Nos ramos cantam as aves
Mas pia o mocho agoireiro.

Sabem as aves ligeiras,
O canto seu variar,
Fazem gorjeios as vezes
As vezes põem-se a chilrar.

O pardal, daninho aos campos,
Não aprendeu a cantar
Como os ratos e as doninhas
Apenas sabe chiar.

O negro corvo crucita,
Zumbe o mosquito enfadonho;
A serpente do deserto;
Solta assobio medonho.

Chia a lebre, grasna o pato;
Ouvem-se os porcos grunhir;
Libando o suco das flores,
Costuma a abelha zumbir.

Bramam os tigres as onças,
Pia, pia o pintainho;
Cucurita e canta o galo,
Late e gane o cachorrinho.

A vitelinha da berros,
O cordeirinho balidos;
O macaquinho da guinchos,
A criancinha vagidos.
A fala foi dada ao homem,
Rei dos outros animais;
Nos versos  lidos acima,
Se encontram em pobre rima,
As vozes dos principais.

Júlio Dinis.








samedi 13 juillet 2013

A mulher




O mulher! Como és fraca e como és forte
Como sabes ser doce e desgraçada!
Como sabes fingir quando em teu peito
A tua alma se estorce amargurada.

Quantas morrem saudosas duma imagem
Adorada que  amaram doidamente!
Quantas e quantas almas endoidecem
Enquanto a boca ri alegremente!

Quanta paixão e amor às vezes têm
Sem nunca o confessarem a ninguém
Doces almas de dor e sofrimento!

Paixão que faria a felicidade
Dum rei; amor de sonho e de saudade
Que se esvai e foge num lamento.

Florbela Espanca.

vendredi 12 juillet 2013

O LAVRADOR DA ARADA.




Vindo o lavrador da arada,
Encontrou um pobrezinho;
E o pobrezinho lhe disse:
-Leva-me no teu carrinho.

Deu-lhe a mão o lavrador,
E no seu carro o metia;
Levou-o para sua casa,
Para melhor sala que tinha.

Mandou-lhe fazer a ceia,
Do melhor manjar que havia;
Sentou-o à sua mesa,
Mas o pobre não comia.

As lágrimas eram tantas,
Que pela mesa corriam;
Os suspiros eram tantos,
Que até a mesa tremia.

Mandou-lhe fazer acama,
Da melhor roupa que tinha:
Por cima damasco roxo,
Por baixo cambraia fina.

Lá pela noite adiante,
O pobrezinho gemia:
Levantou-se o lavrador,
A ver o que o pobre tinha.

Deu-lhe o coração um baque;
Como ele não ficaria!
Achou-o crucificado,
Numa cruz de prata fina.

Meu Senhor, se eu tal soubera,
Que em minha casa vos tinha,
Mandara fazer preparos
Do melhor que encontraria.

Cala, cala  o lavrador,
Não fales com fantasia,
No céu te tenho guardados
Cadeira de prata fina,
Tua mulher a teu lado,
Que também o merecia.

(viagens pelos livros escolares. Com a devida vénia).


mercredi 10 juillet 2013

BALADA DE NEVE.


Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim,
Sera chuva ? sera gente ?

Gente nao é certamente,
E a chuva nao bate assim.


E talvez  a ventania
Mas ha pouco, poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Nao é chuva, nem é gente,

nem é vento com certeza.

Fui ver. A névé caia
do azul cinzento do céu,

branca e leve, branca e fria…
.
Ha quanto tempo a não via!

E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.

Passa gente e, quando passa,

os passos imprime e traça

na brancura do caminho…

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais

duns pezitos de criança…

E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,

primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,

porque não podia erguê-los!…

Que quem já é pecador

sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,

porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…

E uma infinita tristeza,

uma funda turbação
entra em mim, fiça em mim presa,
Cai neve na natureza,
E cai o meu coraçao.

Augusto Gil.




mardi 9 juillet 2013

PROJECTOS.




Tantos projectos se fazem
Que ficam por concluir
São essas falhas da vida
Que nos murcham o sorrir

Dia apos dia andando
Sem o projecto consumar
Correria desenfreada
Não nos deixam projectar

Tu oh agua cristalina,
Deixa-me falar baixinho
Os peixes são teus amigos
Dá-lhes um pouco de carinho

Vou-me projectando na agua
Um mergulho eu vou dar
Vouga, meu rio amigo
Em Aveiro estas no mar

Nasceste la em cima na Lapa
Assim te vais projectando
Nas tuas aguas mergulho
E tanto me vou consolando.

Do projecto projectado
Na agua vou mergulhar
Vamos dando umas braçadas
Para a outra margem alcançar

E como o caminhar
Tropeça aqui e ali
Eu vou-me agarrando a ti
A vida que já vivi!!!

Passada apos passada
Assim vamos projectando
Construindo a cada passo
Mais ao longo observando.

Nos vamos investigando
Observando o contexto
Respeitando com rigor
Para não haver desleixo.

Passarinho que esvoaças
E lindo o teu voar
Leva-me nas tuas asas
Ensina-me a projectar.

Fazer projecto de amar
Assim queria eu saber
A vida não era tão amarga
Era mais doce o viver.

O sol está-se a esconder
Amanha rompe a aurora
Que o projecto console
Aquela criança e idoso que chora.

Projectar com humanidade
Assim deveria ser
Somos todos do mesmo barro
Não queiras o sol esconder.

E noite, estou a escrever
Lá fora a geada a formar
E tanta a correria
Que não há tempo para amar.

Sinto a agua a correr
As estrelas a brilhar
Para algo escrever
E preciso projectar!!

Eu vou tentando rimar
E dar-lhe algum sentido
O projecto de cada um
Devia ver no outro um amigo.

Fernando Sequeira Leitão.
Professor jubilado.

O autor escreve de acordo
Com a antiga ortografia.


CANÇAO DA MAE.


Dorme, dorme meu menino
Foi-se o sol, nasceu a lua
Qual será o teu destino
Que sorte será a tua

Riquezas tenhas tão grandes
E tal bondade também
Que ao redor de onde tu andes
Não fique pobre ninguém.

Que a todos chegue a ventura
Toda a boca tenha pão
Toda a nudez cobertura
Toda a dor consolação.

Se o ouro é mau caminho
Antes tu venhas a ser
O pobre mais pobrezinho
De quantos pobres houver.

Iremos por esses montes
Altos e azuis como os céus
Que onde há frutos e onde há fontes
Esta a mesa de Deus.

E quando a neve cair
E as selvas adormecerem
Iremos então pedir
Aceitar o que nos derem.

Andaremos à mercê
Dos génios bons e dos falsos
Léguas e léguas a pé
Rotinhos magros descalços.

Onde houver urzes e tojos
Pedras que rasgam a pele
Porei meu corpo de rojos
Passaras por cima dele!

Augusto Gil.

Cinco décadas mais tarde, da certo prazer recordar as poesias com que fomos deliciados.