“Vos”, diz Cristo nosso Senhor, ao falar com
os pregadores, “ sois o sal da terra”. E chama-lhes sal da terra, porque quer
que eles façam na terra , o mesmo que faz o sal. O efeito do sal é impedir a
corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como esta a nossa, havendo
tantos nela que têm o oficio de sal, qual será ou qual pode ser a causa dessa
corrupção? Ou é, porque o sal não salga, ou porque a terra não se deixa salgar.
Ou é, porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina;
ou porque a terra não se deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a
doutrina que lhes dão, não a querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os
pregadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a terra não se deixa
salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, em vez de o que
dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores pregam-se a si e não a Cristo; ou porque a terra não
se deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem os seus
apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal.
Suposto, pois, que, ou o sal não salgue ou a terra não se deixe salgar, que se
há-de fazer ao sal que não salga?
Cristo disse-o: Quod
si sal evanuerit, in quo salietur?
Ad nihilum valet ultra, nisti ut mittatur foras et conculcetur ab hominibus. (Mateus V- 13). Se o sal perder a
substância e a virtude, e o pregador faltar à doutrina e ao exemplo, o que se
lhe há-de fazer é lança-lo fora
como inútil, para que seja pisado por todos. Que se atrevera a dizer tal coisa
se mesmo Cristo não a pronunciara? Assim com não há quem seja mais digno de
reverência e de ser posto sobre a cabeça, que o pregador que ensina e faz o que
deve; assim é merecedor de todo o desprezo e de ser metido debaixo dos pés o
que com a palavra ou com a vida prega o contrario.
Isto é o que se deve fazer ao sal que não
salga. E à terra que não se deixa
salgar, que se lhe há-de fazer?
Este ponto não o resolveu Cristo no
Evangelho; mas temos sobre ele a resolução do nosso grande português Santo António, que hoje celebramos,
e a mais galharda(*) e gloriosa resolução que nenhum santo tomou.
(Pregado em São Luís do Maranhão, a 13 de Junho de 1654,
três dias antes de embarcar secretamente par a Portugal (a fim de interceder em
favor dos indígenas). Revela fina ironia, riqueza nas sugestões alegóricas e agudo senso de observação sobre os
vícios e vaidade do Homem, comparando-o através de alegorias, aos peixes.
Critica a prepotência dos grandes que, como
peixes, vivem do sacrifício de muitos pequenos, os quais “engolem” e “devoram”. O alvo são os colonos do Maranhão, quo
Brasil são grandes, mas em Portugal
“ acham outros maiores que os comam, também a eles.”
Censura os soberbos (=rocandores), os
pregadores (=parasitas); os ambiciosos(=voadores; os hipócritas e traidores (=polvos.”
“O polvo com
aquele seu cabelo na cabeça, , parece um monge; com aqueles seus ralos
estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a
mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo dessa aparência tão modesta ou
dessa hipocrisia tão santa, testemunham constantemente (...) que o dito polvo é
o maior traidor do mar.
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