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vendredi 20 décembre 2013

AQUI NA ORLA DA PRAIA.


Aqui na orla da praia, mudo e contente do
mar,
Sem nada que me atraia, nem nada que
Desejar,
Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida,
E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.

A vida é como, uma sombra que passa por sobre
um rio
Ou como um passo na alfombra de um quarto
Que jaz vazio;
A gloria concede e nega; não tem verdades a
Fé.

Por isso na orla morena da praia calada e só,
Tenho a alma feita pequena, livre de magoa e
de do;
Sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter
tido,
E comecei a morrer muito antes de ter vivido.

Dêem-me, aqui onde jazo, só uma brisa que
passe,
Não quero Ada  do acaso, senão a brisa na
face;
Dêem-me um vago amor de quando nunca
terei,
Não quero gozo nem dor, não quero vida nem
Lei;

Só, no silencio cercado pelo som brusco do
mar,
Quero dormir sossegado, sem nada que
desejar,
Quero dormir na distância de um ser que
nunca foi seu,
Tocado do ar sem fragrância da brisa de
qualquer céu.

Fernando Pessoa.





jeudi 19 décembre 2013

OS LUSIADAS. Canto I (12 a 18)






Pois se a troco de (Carlos, Rei de França,
Ou de César, quereis igual memoria,
Vede o primeiro Afonso cuja lança
Escura faz qualquer estranha gloria;
E aquele que a seu Reino a segurança
Deixou, com a grane e prospera vitoria;
Outro Joane, e invicto cavaleiro;
O quarto e o quinto Afonsos e o terceiro.

Nem deixarão meus versos esquecidos
Aqueles que nos Reinos lá da Aurora
Se fizeram por armas tão subidos,
Vossa bandeira sempre vencedora:
Um Pacheco fortíssimo e os temidos
Almeidas, por quem sempre o Tejo chora,
Albuquerque terrível, Castro forte,
E outros em quem poder não teve a morte.

E, enquanto eu estes canto - e a vos não posso,
Sublime Rei, que não me atrevo a tanto -,
Tomai as rédeas vos do Reino vosso:
Dareis matéria a nunca ouvido canto.
Comecem a sentir o peso grosso
(Que pelo mundo todo faça espanto)
De exércitos e feitos singulares,
De África as terras e do Oriente os mares.

Em vos os olhos tem o Mouro frio,
Em quem vê seu exicio afigurado.
Só com os ver o bárbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;
Tétis todo o cerúleo senhorio
Tem pêra vos por dote aparelhado,
Que afeiçoada ao gesto belo e tento,
Deseja de comprar-vos pêra genro.

Em vos se vêm da Olímpica morada,
Dos dous avos as almas cá famosas;
Uma, na paz angélica dourada,
Outra, pelas batalhas sanguinosas,
Em vos esperam ver-se renovada
Sua memoria e obras valorosos;
E lá vos têm lugar, no fim da idade,
No tempo da suprema eternidade.

Mas, enquanto este tempo passa lento
Da regerdes os povos que o desejam,
Dai vos favor ao novo atrevimento,
Pera que estes meus versos vossos sejam,
E vereis ir cortando o salso argento 
Os vossos Argonautas, por que vejam
Que sao vistos de vos no mar irado,
E costumai-vos ja a ser invocado.

Luis de Camões.






samedi 14 décembre 2013

Ser Poeta.


 Ser poeta, é ter o dom de transformar em paisagem aprazível qualquer lugarejo que para o comum dos mortais, é inóspito.
O sonhador sobe para cima de um penedo onde nem os gafanhotos querem viver e pode entender que aquilo é magnifico. Se junto do penhasco houver um pinheiro mesmo que invadido por lagartas processionarias , o poeta vai esquecer o efeito  urticante causado pela bicharada e a paisagem torna-se sublime, estupenda. Talvez o poeta tenha imaginado a flor do pinheiro centenário que fecundada na Primavera, deu origem a nova pinha que depois de mudar de forma, cor e tamanho, viu com o Verão, chegada a hora de libertar a sua progenitura.
Farto de ser oprimido nas entranhas  da mae pinha, estava o pinhão, quando viu chegada a hora da liberdade; Bateu as palmas, saltou de alegria, mas na hora da verdade, (qual pára-quedista antes do primeiro salto,) hesitou, agarrou-se às paredes, mas estava escrito, o vento sacudiu o ramo que lhe servia de cordão umbilical, e este foi projectado para o vácuo.
Quis a Previdência que o vento o ajudasse a subir nas alturas e rodopiando tentou escolher o lugar ideal para “aterrar”.
Não podia escolher um jardim ou seara, porque segundo os humanos seria indesejável; foi poisar-se entre dois rochedos onde nem os animais o pudessem tragar. Ai nasceu um esplêndido pinheiro que depressa cresceu ate que um casal de namorados em busca de aventura, entendeu que o lugar era demasiado inóspito para tão linda dadiva da natureza, o mandou cortar, fez com a madeira um barquinho e pôs-se a navegar. Aproveitou para esse fim um pequeno rio que passava perto, afluente de um outro que os levaria ate ao Oceano.
Começavam os apaixonados a sonhar com uma ilha deserta onde pudessem olhar-se no branco dos olhos  sem incomodar ninguém, quando foram surpreendidos por uma tempestade e o barquinho fracassou contra a margem.
Em homenagem à arvore que tanto prazer lhes proporcionara, decidiram os apaixonados plantar muitos pinheiros a fim de que todos os namorados do mundo pudessem construir um barquinho e pôr-se a navegar, mas como não os encontraram, plantaram então outras arvores, muitas arvores.
Deve isso ter acontecido ao Sul de Coimbra, e foram talvez os namorados em questão que plantaram o Choupal.

António S. Leitão.

Quando a tristeza chegar
Faz um barquinho
E põe-te a navegar
E cria a esperança breve
De que és uma pena leve
Muito leve a flutuar.

(Poeta desconhecido)

jeudi 12 décembre 2013

OS LUSIADAS Canto I (Estrofes 6 a 11)


E, vos, o bem nascida segurança
Da Lusitana antiga liberdade,
E não menos certíssima esperança
De aumento da pequena Cristandade;
Vos, o novo temor da Maura lança,
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,
Pêra do mundo a Deus dar parte grande;

Vos, tenro e novo ramo florescente
De uma arvore de Cristo mais amada
Que nenhuma nascida no Ocidente,
Cesária ou Cristianíssima chamada
(Vede-o no vosso escudo, que presente
Vos amostra a vitoria já passada,
Na qual vos deu por armas e deixou
As que ele pêra si na Cruz tomou);

Vos, poderoso Rei, cujo alto Império
O Sol, logo em nascente, vê primeiro,
Vê-o também no meio do Hemisfério,
E quando desce o deixa derradeiro;
Vos, que esperamos jugo vitupério
Do torpe Ismaelita cavaleiro,
Do Turco Oriental e do Gentio
Que inda bebe o licor do santo rio:

Inclinei por um pouco a majestade
Que nesse tenro gesto  vos contemplo,
Que já se mostra qual na inteira idade,
Quando subindo ireis ao eterno templo;
O s olhos da real benignidade
Ponde no chão: vereis um novo exemplo
De amor dos pátrios feitos valorosos,
Em versos divulgado numerosos.

Vereis  amor da pátria, não movido
De premio vil, mas alto e quase eterno;
Que não é premio vil ser conhecido
Por um pregão do ninho meu paterno.
Ouvi: vereis o nome engrandecido
Daqueles de quem sois senhor supremo,
E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente.

Ouvi, que não vereis com vãs façanhas,
Fantásticas, fingidas, mentirosas,
Louvar os vossos como nas estranhas
Musas de engrandecer-se desejosas:
As verdadeiras vossas são tamanhas
Que excedem as sonhadas, fabulosas,
Que excedem Rodamonte e o vão Rugeiro
E orlando, inda que fora verdadeiro.

Luís de Camões.





mercredi 11 décembre 2013

CÀ NESTE MONTE ESTÉRIL


Cá neste monte estéril, seco e alto,
Para onde vim fugindo do castigo
Que em tantos montes deu tão grande assalto,

A vista do destroço e do perigo
Que me ameaça, estou continuamente
Fazendo estreitas contas só comigo.

Mas até neste estado descontente,
Aonde não tem lugar outra lembrança,
Sempre, senhor, na minha estais presente.

Lá voa o pensamento e lá descansa,
Aonde vos, descuidado, descansais,
Se em tal tormenta alguém goza bonança!

Se lá não chega o eco dos meus ais,
O sentimento e mal das minhas dores,
Que à vista das alheias crescem mais,

Os queixumes ouvi dos meus pastores,
Como algum hora, mais alegre ouvistes
As graças e o louvor de seus amores.

E, pelo que em meus olhos sempre vistes,
Julgareis se fugi com força ou gosto
De quem (para por mal) foge dos tristes.

Porem o couto é tal, aonde estou posto,
Que mais tem semelhança do tormento
Do que para os fugidos melhor rosto.

Graças ao meu provado sofrimento,
Que faz tão pouca conta do seu dano
Que Aida culpa o fado de avarento,

Lá vos envio Gil, Franco e Montano;
Eles darão sinal do que eu padeço,
Sem refolho, sem erro  e sem engano.

O que há neste desvio vos ofereço:
O estilo, as palavras tão singelas,
A que tirou  a arte a graça e preço.

Porem não dana ouvi-las e sabê-las;
Tirai-lhe a casca como a qualquer fruta
E então direis do fruto que achais nelas.

E, se algum dos censores que me escuta
(Que por mais fundo vau que esta diante,
Sem asas quer passar com a roupa enxuta)

Disser que é ser pastor ser ignorante,
Nem as razoes estão no concerto,
Nem no vestir custoso o ser galante.

Vos que a verdade vedes mais ao perto,
Aceitai, Paiva ilustre, o meu cuidado,
Que vai qual sofre o mal deste deserto.

E, enquanto nele vivo desterrado,
Aonde nenhum prazer já me convida,
Me avisai que estais livre e descansado;
Terei prazer, descanso, gosto e vida.

Francisco Rodrigues Lobo.





mardi 10 décembre 2013

OS LUSIADAS CANTO I (Estrofes 1 a 5)


As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino que tanto sublimaram;

E também as memorias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valorosos
SE vão da lei da morte libertando,
Cantado espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitorias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se levanta.

E vos, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloco e corrente,
Por que de vossas aguas Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipocrene.  

Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
E de tão agreste avena ou flauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e açor ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte  tanto ajuda;
Que se espalhe e secante no universo
Se tão de sublime preço cabe em verso.

Luís de Camões.
(Continua)



lundi 9 décembre 2013

CANÇAO DE BATALHA.




Que durmam, muito embora, os pálidos amantes,
Que andaram contemplando a lua branca e fria...
Levantai-vos, heróis, e despertai, gigantes!
Já canta pelo azul sereno a cotovia
E já rasga o arado as terras fumegantes...

Entra-nos pelo peito em borbotões joviais
Este sangue de luz que a madrugada entorna!
Poetas, que somos nos? Ferreiros d’arsenais;
E bater, é bater com alma na bigorna
As estrofes de bronze, as lanças e os punhais.

Acendei a fornalha enorme - a inspiração.
Dai-lhe lenha – A verdade, a Justiça, o Direito –
E harmonia e pureza, e febre, e indignação;
E p’ra que a labareda irrompa, abri o peito
E atirai ao braseiro, ardendo, o coração!

Ha-de-nos devorar, talvez, o incêndio; embora!
O poeta é como o sol: o fogo que ele encerra
E quem espalha a luz nessa amplidão sonora...
Queimemo-nos a nos, iluminando a terra!
Somos lava, e a lava é quem produz a aurora!

Guerra Junqueiro.

samedi 7 décembre 2013

A MOLEIRINHA.


Pela estrada plana, toque, toque, toque,
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toque, toque, toque,
A velhinha atrás, o jumentinho adiante!...

Toque, toque, a velha vai para o
Moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E contudo alegre como um passarinho,
Toque , toque, e fresca com o branco
linho,
De manha nas relvas a corar ao sol.

Vai sem cabeçada, em liberdade franca,
O jerico russo duma linda cor;
Nunca foi ferrado,  nunca usou retranca,
Tange-o, toque, toque, a moleirinha
Branca,
Com o galho verde duma giesta em flor.

Vendo esta velhinha, encarquilhada e
Benta,
Toque, toque, toque, que recordação!
Minha avo ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta,
Quem me fez o berço fez)lhe o seu caixão!...
Toque, toque, toque, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem mo dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a Virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia num burrico assim.

Toque, toque, é tarde, moleirinha santa!
Nascem as estrelas, vivas em cardume...
Toque, toque, toque, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toque se levanta,
P’ra vestir os netos, p’ra acender o
Lume...

Toque, toque, toque, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pele estrada chã!
Tão ingénuo e humilde, dá-me, salvo
seja,
Dá-me ate vontade de o levar à
Igreja,
Baptizar-lhe a alma, p’ra fazer
Crista!

Toque, toque , toque, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vai uma frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mo  da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!...

Toque , toque, como o burriquito
Avança!
Que prazer d’outrora  para os olhos
Meus!
Minha avo contou-me, quando fui
Criança,
Que era assim tal qual a jumentinha
Mansa
Que adorou nas palhas o menino
Deus...

Toque, toque é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toque, toque, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados querubins  divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...

Toque, toque, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d’astros o luar sem véu,
O burrico pensa: quanto milho loiro!
Quem será que moí  estas farinhas d’oiro
Com a mo de jaspe que anda além no
Céu!

Guerra Junqueiro.














jeudi 5 décembre 2013

ORAÇAO À NOSSA SENHORA


O gloriosa Senhora do mundo,
Excelsa princesa do céu e da terra,
Fermosa batalha de paz e de guerra,
Da Santa Trindade secreto e profundo!
Santa esperança, o madre de amor,
Ama discreta do filho de Deus,
Filha e madre do Senhor dos céus,
Alva do dia com mais resplendor!

Fermosa barreira, o alvo e fito,
A quem os profetas dereito atiravam!
A ti, gloriosa, os céus esperavam,
E as três pessoas um Deus infinito.
O cedro nos campos, estrela no mar,
Na serra ave Fénix, ua só amada,
Ua só sem macula, sem conto e sem par!

Do que Eva triste ao mundo tirou
Foi teu fruto restituidor
Dizendo-te ave o embaixador,
O nome de Eva te significou.
O porta dos paços do mui alto Rei,
Câmara cheia de Espírito Santo,
Janela radiosa de resplendor tanto,
E tanto zelosa da devina lei!

O mar de ciência, a tua humildade,
Que senão porta do céu estrelado?
O fonte dos anjos, o horto cerrado,
Estada do mundo para a devindade!
Quando os anjos cantam a gloria de Deus,
Não são esquecidos da gloria tua,
Que as glorias do filho são da madre sua,
Pois reinas com ela na corte dos céus.

Gil Vicente.


mardi 3 décembre 2013

PADRE ANTONIO VIEIRA. ( Sermao de Santo Antonio aos peixes.)


“Vos”, diz Cristo nosso Senhor, ao falar com os pregadores, “ sois o sal da terra”. E chama-lhes sal da terra, porque quer que eles façam na terra , o mesmo que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como esta a nossa, havendo tantos nela que têm o oficio de sal, qual será ou qual pode ser a causa dessa corrupção? Ou é, porque o sal não salga, ou porque a terra não se deixa salgar. Ou é, porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra não se deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, não a querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a terra não se deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, em vez de o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores pregam-se a si  e não a Cristo; ou porque a terra não se deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem os seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal.
Suposto, pois, que,  ou o sal não salgue ou a terra não se deixe salgar, que se há-de fazer ao sal que não salga?
Cristo disse-o: Quod si sal  evanuerit, in quo salietur? Ad nihilum valet ultra, nisti ut mittatur  foras et  conculcetur ab hominibus. (Mateus V- 13). Se o sal perder a substância e a virtude, e o pregador faltar à doutrina e ao exemplo, o que se lhe  há-de fazer é lança-lo fora como inútil, para que seja pisado por todos. Que se atrevera a dizer tal coisa se mesmo Cristo não a pronunciara? Assim com não há quem seja mais digno de reverência e de ser posto sobre a cabeça, que o pregador que ensina e faz o que deve; assim é merecedor de todo o desprezo e de ser metido debaixo dos pés o que com a palavra ou com a vida prega o contrario.
Isto é o que se deve fazer ao sal que não salga. E à terra que não se deixa  salgar, que se lhe há-de fazer?
Este ponto não o resolveu Cristo no Evangelho; mas temos sobre ele a resolução  do nosso grande português Santo António, que hoje celebramos, e a mais galharda(*) e gloriosa resolução que nenhum santo tomou.

(Pregado em São Luís  do Maranhão, a 13 de Junho de 1654, três dias antes de embarcar secretamente par a Portugal (a fim de interceder em favor dos indígenas). Revela fina ironia, riqueza nas sugestões alegóricas  e agudo senso de observação sobre os vícios e vaidade do Homem, comparando-o através de alegorias, aos peixes.
Critica a prepotência dos grandes que, como peixes, vivem do sacrifício de muitos pequenos, os quais “engolem” e “devoram”.  O alvo são os colonos do Maranhão, quo Brasil são grandes, mas em Portugal  “ acham outros maiores que os comam, também a eles.”
Censura os soberbos (=rocandores), os pregadores (=parasitas); os ambiciosos(=voadores; os hipócritas e traidores (=polvos.”
“O polvo com aquele seu cabelo na cabeça, , parece um monge; com aqueles seus ralos estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo dessa aparência tão modesta ou dessa hipocrisia tão santa, testemunham constantemente (...) que o dito polvo é o maior traidor do mar.

lundi 2 décembre 2013

VENDAVAL




O vento do Norte, tão fundo e tão frio,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que meu coração!

Indómita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que  há em mim!

Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
E o visto o que vê.

Ah, magoa de ter consciência na vida!
Tu, vento do Norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles- teu pulso divida
Minh’alma do mundo!

Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar
Fosse pr’onde fosse pr’a longe da ideia
De eu ter que pensar!

Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver
Porque é que não entras no meu pensamento
Para ele morrer?

Horror de ser sempre com a vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, é vento; do chão da existência,
De ser um lugar!

E, pela  alta noite que fazes mais’scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.

E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já paria desfeitos dos ares,
O meu coração!

Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, na noite sem termo,
Do abismo e do nada!

Fernando Pessoa.

lundi 25 novembre 2013

O ANDAIME




O tempo que eu hei sonhando
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão,
Este seu correr vazio
Figura, anónimo e frio,
A vida vivida em vão.

A ‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha ‘s’prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas se quer,
Horas, dias, anos breves
Passam – verduras ou neves
Que o memo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha,
Sou mais velho do que sou.
A ilusão , que me mantinha,
So no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das aguas lentas,
Gulosas da margem ida ,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Fernando Pessoa.

(Com a devida vénia).