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lundi 25 novembre 2013

O ANDAIME




O tempo que eu hei sonhando
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão,
Este seu correr vazio
Figura, anónimo e frio,
A vida vivida em vão.

A ‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha ‘s’prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas se quer,
Horas, dias, anos breves
Passam – verduras ou neves
Que o memo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha,
Sou mais velho do que sou.
A ilusão , que me mantinha,
So no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das aguas lentas,
Gulosas da margem ida ,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Fernando Pessoa.

(Com a devida vénia).


samedi 23 novembre 2013

PALAVRAS II




Palavras que choram
Outras criminosas
Umas que coroam
Tantas venturosas.

Umas nos cativam
E outras azedam
Tantas nos aprovam
Outras nos deserdam.

Tantas nos atacam
E outras divertem
Umas nos deslocam
Outras desfalecem.

Umas dramatizam
Outras nos destroem
Tantas organizam
Outras tanto doem.

Umas nos enrugam
E outras dissolvem
Tantas nos obrigam
Outras nos envolvem.

Tantas ameaçam
Outras amedrontam
Umas nos disfarçam
Outras desapontam.

Umas nos ensinam
E outras enervam
Tantas eliminam
Outras observam.

Tantas nos arrumam
Outras endireitam
Umas nos inflamam
E outras espreitam.

Uma elogiam
Outras ofendem
Tantas nos enjoam
Outras repreendem.

Umas nos despertam
E outras desfazem
Tantas nos enganam
Outras nos escurecem.

Fernando S. Leitão.

LIBERDADE.



Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papeis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa  em que esta indistinta

A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quando é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, musica, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
E Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa.
(Com a devida vénia).


jeudi 21 novembre 2013

POEMAS.




Quero um cavalo de varias cores,
Quero-o depressa, que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de varias cores
Podem servir.

Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva nimbos e cerros
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.

Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Par onde tendem as catedrais.

Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de varias cores?

Perguntas-me quem sou? Sou astro errante
Que um sol dominador a si chamou,
E, cego do seu brilho rutilante,
Se queima nessa luz que o encantou!

Meus passos de inseguro caminhante,
Submissos ao olhar que os escravizou,
Caminham para Ti em cada instante
E tu ainda perguntas quem eu sou!

Eu sou aquilo que de mim fizeste,
Sou as horas sombrias que me deste
A troco da ternura que te dei...

Perguntas-me quem sou? Nome de Cristo,
Eu nada sou, Amor, eu nem existo,
Mas querendo tu, Amor, tudo serei!

Reinaldo Ferreira.

(Do antigo livro do 5° ano dos liceus).

OS BOIS.




Os bois! Fortes e mansos, os boizinhos!
-Leões com corações de passarinhos!

Os bois! Os grandes bois, esses gigantes,
Tão amigos, tão úteis, tão possantes!

Vede os bois a puxar pelas estradas,
Aquelas pesadíssimas carradas.

O corpo deles com o esforço freme,
E o carro geme, longamente geme...

O carro geme, longamente,
E os bois vão a puxar cansadamente.

E à noite, pela estrada tão sozinha,
O carro geme, geme, e lá caminha...

E parece pele noite envolta em treva,
Que é o carro a chorar por quem o leva.

Vede o boi a puxar à velha nora,
Que parece também que chora, chora.

A nora chora, e o boi cansadamente,
Anda à roda, anda à roda longamente...

E parece, p’la tarde erma que expira,
Que é a agua, a chorar por quem a tira.

Mas vede os bois, também nessa alegria
De trabalhar na terra, à luz do dia!

Vede os bois puxar ao arado, agora,
Que o lavrador conduz p’lo campo fora!

Eis um canto de amor no mar se espalha:
-é a terra a cantar por quem trabalha!

O arado rasga a terra, e os bois, vão puxando,
Com os  seus olhos a vão abençoando.

Sem as suas fadigas e canseiras,
Não teriam florido as sementeiras!

Sem a sua força, sem a sua dor,
Não estava rindo  terra toda em flor! ...

E onde os bois lavraram
as fontes frescas brotaram,
as arvores verdejaram,
os passarinhos cantaram,
as flores lindas floriram,
os campos reverdeceram,
os pães cresceram
e os homens sorriram!

Afonso Lopes Vieira.

( Do antigo livro da terceira classe).
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