Depois de tragado um frugal pequeno almoço,
entro no meu quarto, enfio a minha sacola a tiracolo e dirijo-me para a porta
do lado Norte, mas não tive tempo de a abrir, porque uma voz me interpela:
dizendo: acabou a escola rapaz, agora vamos semear a erva.
Escassos dias antes tinha feito o único exame
que naquele tempo acessível a cerca 80 por cento da população ou seja a quarta
classe. Desprovida de qualquer conforto, inclusive de casa de banho era ai que
aprendíamos a ler e a contar, e sob pretexto que tinha lá esquecido uma
certidão, eu queria lá voltar, mas estava escrito: a escola tinha mesmo acabado
mesmo para sempre e talvez por essa razão, trago quase sempre comigo um lápis e
um papel, e quando vejo que alguém me pode ensinar qualquer coisa, sento-me no
chão e pergunto: o minha senhora, quanto faz: 45+97+89?,mas é cada vez +
difícil aprender quando se é idoso.
Quem observou de perto a vida do campo nos
anos 50/60 deve ter verificado que quando o milho de lameiro estava crescido,
nos os camponeses devíamos semear a erva a fim que esta germinasse com as
primeiras chuvas, e quando cortávamos o milho, já a erva estava crescida.
Contrariamente à sacha que até dava para
cantar, atupir a erva, era para mim uma autentica tortura. Quando sachávamos o
milho nos cantávamos muito; a gente cantava assim:
Portugal foi invejado,
Por uma nação estrangeira,
Por verem as cinco chagas,
Ai morena...
Venham dai, senhoras da cidade; cantemos
todos:
Portugal foi invejado...
Mas vocês não sabem sachar milho: arrancam-me
as couves todas.
Ah!...
Era assim, prezadas senhoras; a terra dita de
lameiro, devia alimentar não só os humanos, mas também os bovinos,ovinos, suínos e
caprinos. Felizes os galináceos da
época que comiam couvinhas e milho e agora comem lixo.
Voltem cá mais tarde, eu ensino-lhes o resto
da canção.
Depois de muito termos cantado, por vezes com
vontade de chorar, chegava o fim do Verão e com ele o fim dos trabalhos agrícolas e as célebres desfolhadas. A
noite lá na eira homens e mulheres, rapazes e raparigas todos cantávamos o que
sabíamos e como era tradição quando se encontrava uma espiga vermelho-escuro ou
negrinha, como lhe chamávamos, abraçar todas as raparigas, mesmo se algumas
eram reticentes e visto nesse tempo ser pecado, proibido, sacrilégio os jovens
darem beijos e abraços, a desfolhada era uma pequena festa.
Depois de secos, arrumavam-se o milho e os
feijões, o centeio, o feno e a palha já estavam arrumados desde Julho, os
anciãos contemplavam a arcas cheias dizendo que pelo menos já não haveria fome
naquele Inverno, mas se não houvesse outra fonte de rendimento, é fácil
imaginar quão difícil era a vida no campo.
António S. Leitão.
Olá, Antonio.
RépondreSupprimerEra vida sem perspectivas, onde o futuro estava traçado à partida.
Hoje, apesar de a vida ser muito difícil, ainda há uma esperança, mesmo que ténue, de se construir um futuro diferente. A educação é facultada à população sem distinção, haja vontade dos jovens de a aproveitar - coisa que falta muitas vezes, onde a vida fácil é mais apelativa e não se valoriza o bem que se tem.
abç amg
Ola, Carmem.
SupprimerEstou de acordo com o seu comentário a 100 por cento. quanto aos nossos jovens, sinto muito, mas deviam passar uns dias no campo, a fim de saberem a sorte que têm, mesmo se o emprego nao esta garantido. Obrigado pelo comentário. Um G. abraço.